
Remédios iguais, preços diferentes
Nas farmácias cariocas, diferença entre valores de medicamentos similares passa de 300%
Remédios fabricados com a mesma substância, em dosagens equivalentes e que fazem o mesmo efeito no paciente, são parecidos em tudo. Menos no preço. A diferença entre medicamentos similares pode chegar a mais de 300% nas farmácias do Rio. Este é o caso dos antiinflamatórios a base de piroxican. Os cariocas que optarem pelo remédio com nome fantasia podem comprar o Feldene fabricado pela Pfizer, que custa R$15,62, cada caixa com 15 cápsulas de miligramas. Os que preferirem comprar o produto similar – que não usa nome comercial, mas o do princípio ativo com que é feito- têm à disposição remédios chamados Piroxican. O fabricado pelo laboratório Teuto, por exemplo, bem mais em conta: cada caixa custa R$ 3,85, uma diferença de 305% em relação ao Feldene. Disparidades como esta podem estar com os dias contados: na terça-feira. o Senado analisa um projeto lei, já aprovado pela Câmara, que obriga os fabricantes de remédios com nome comercial a estampar na embalagem nome do princípio ativo, no mesmo tamanho e cor do nome de fantasia.



Teste com seis tipos de remédio revela as semelhanças
O consumidor que comprar atualmente o remédio com o nome do principio ativo. Geralmente muito mais barato, não precisa ficar desconfiado: a boa qualidade do medicamento pode ser comprovada. A pedido do GLOBO, o Laboratório Noel Nutels instituição estadual considerada centro de referência nacional-testou seis medicamentos de marca, escolhidos aleatoriamente, e seus equivalentes, fabricados por laboratórios farmacêuticos privados e públicos. Como o Instituto Vital Brasil, do Rio, e a Fundação Ezequiel Dias, de Minas Gerais, num total de 20 remédios, de 13 fabricantes diferentes. Os exames comprovaram que o princípio ativo dos produtos de nome comercial e seus equivalentes genéricos era o mesmo, em quantidades considera próprias. -Pode-se optar sem problemas pelos remédios com nome comercial que testamos ou pelos similares- diz O biólogo Oscar Berro, do Noel Nutels. Com a aprovação do projeto que tramita no Senado, os consumidores terão mais facilidade para procurar nas farmácias o medicamento mais barato. Atualmente, o nome da substância está escrito sem destaque nas embalagens com nome comercial. Pelo projeto de lei, de autoria do deputado Eduardo Jorge (PT-SP), será criado também um mercado de medicamentos genéricos (com o nome do princípio ativo), cujos fabricantes receberão incentivo fiscal e preferência nas licitações do Ministério da saúde. Na última quinta-feira, o ministro José Serra anunciou que fará uma resolução obrigando os hospitais públicos a comprar apenas medicamentos com nome genérico.
– Com a lei, o preço dos medicamentos deve cair entre 30% e 40%. O projeto original previa que só genéricos poderiam ser vendidos. A pressão da indústria foi tão forte que tive que fazer alterações- diz Eduardo Jorge. A recém-criada Agência Nacional de Vigilância Sanitária, aprovada na semana passada, também vai dar ajuda os genéricos: para obter registro na agência para vender medicamentos com nome de fantasia, as indústrias vão precisar desembolsar R$ 80 mil. No caso dos medicamentos genéricos, a taxa cairá para R$ 1O mil. Não será a primeira vez que o Governo tentará incentivar a produção de genéricos. Na gestão de Itamar Franco, o decreto 793 estabeleceu que todo medicamento deveria ser vendido com o nome do princípio ativo. Por não ter força de lei, a mudança não foi levada a sério pela indústria. Como novo projeto de lei que será votado no Senado, uma outra mudança está prevista: os medicamentos, para serem registrados como genéricos, precisarão provar não só que tem as mesmas substâncias, mas também que agem no mesmo tempo no organismo humane. Atualmente, os medicamentos que estão à venda com nome genérico não precisam provar esta equivalência. – A Vigilância Sanitária garante que se pode trocar um Tagamet por uma Cimetidina, ou uma Novalgina por uma Dipirona, por exemplo, porque fiscaliza os fabricantes, que precisam seguir padrões rígidos de qualidade. O Tagamet e a Cimetidina são similares e o médico pode prescrever um ou outro que não fará diferença. Com a nova lei e os Novos testes, poderemos falar que os dois medicamentos não são similares, mas genéricos, eu seja, absolutamente idênticos – diz Gonzalo Vecina, secretário nacional de Vigilância Sanitária.
Pacientes de úlcera podem economizar 95,2% com genérico oficiais
Comprar o medicamento com o nome da substância custa bem mais barato. Os pacientes com úlcera medicados a base da substância omeprazol com o remédio Losec, do Astra, pagam R$ 37,58 pela embalagens com 14 cápsulas de 1Omg. Quem usa o similar Omeprazol, do Klinger, paga R$ 19,25,uma diferença de 95,2%. Uma variação parecida e encontrada na comparação entre os antiácidos Tagamet (nome comercial), do Smithkline Beecham, e Cimetidina (genérico), do Teuto. O primeiro, com40 comprimidos de 200mg, tem o preço máximo para o consumidor de R$ 24,07. O similar genérico pode ser vendido nas farmácias per ate R$ 12,31, uma diferença de 95,5%. Quem optar por comprar a Dipirona do Teuto pagara R$ 2,05 pele frasco com !Om!. Os consumidores que preferirem o remédio com nome de fantasia vão desembolsar R$ 5,44 pela Novalgina com 20ml, e dobro da quantidade. – Ela tem o dobro do remédio e custa mais do que o dobro do preço. Quando meu médico disse que Novalgina e Dipirona eram a mesma coisa, passei a comprar só a dipirona – diz a empregada doméstica Vera Lúcia Alves.
Hospitais públicos levam vantagem por comprar de laboratórios oficiais
Os hospitais públicos, que compram remédios fabricados pelos laboratórios oficiais, têm ainda mais vantagem do que Vera Lúcia. Cinqüenta frascos de Dipirona, de !Om! cada, saem da Fundação Ezequiel Dias, em Minas – que vende para as prefeituras fluminenses por apenas R$ 15,50.Doisremédios testados pelo Noel Nutels tiveram diferenças de preço menores. O antiinflamatório Cataflam, em embalagem de 20ml, é vendido nas farmácias por, no máximo, R$ 6,08.Seu equivalente, o Diclofenaco de Potássio, da Basf Generix, sai por R$ 3,92, urna diferença de 55%. Os medicamentos que tiveram urna variação menor foram os do grupo dos ansiolíticos: o Valium, de lOmg, da Roche, custa R$ 4,97. O Diazepan da União Química é vendido por centavos a menos: custa R$ 4,28. Ou seja, uma diferença de 16%. – Fazemos levantamentos mensais comparando e preço dos genéncos com o dos medicamentos comerciais e, em média, a diferença fica em 40% – diz Antonio Barbosa, presidente do Conselho Federa! de Farmácia. Diretor de marketing da Basf Generix, que fabrica genéricos, Roberto Mafra explica que pode vender mais barato porque não investe em pesquisa nem faz propaganda. -Nossos remédios têm a mesma qualidade dos que possuem nome comercial, mas um custo menor. As indústrias que descobrem as drogas e lançam remédios com nome fantasia repassam para o consumidor os custos da pesquisa e da propaganda. Não precisamos fazer isso porque nossos remédios são equivalentes de marcas já conhecidas no mercado – diz Mafra.
Fabricantes dizem que cobram caro por terem feito pesquisa
Laboratórios gastam cerca de US$ 500 milhões para descobrir novos remédios
Para explicar o preço mais alto de medicamentos com nome fantasia, as indústrias farmacêuticas, em sua maioria, usam a mesma justificativa: um investimento de cerca de US$ 500 milhões em pesquisas para descobrir cada nova droga e que os fabricantes de genéricos apenas copiam suas fórmulas, sem gastos. José Antonio Toledo Vieira, diretor de Marketing da Novartis, fabricante do Cataflam, 55% mais caro que e genérico Diclofenaco de Potássio testado pelo GLOBO, argumenta que a empresa leva dez anos para chegar a uma nova droga e que precisa custear novas pesquisas: Além disso, temos propagandistas, que visitam cem mil médicos no Brasil, mostrando nossos produtos. Os genéricos não precisam fazer isto porque à propaganda já foi feita por nós. Frank Guggenhein, diretor comercial dos produtos Roche, tem a mesma linha de raciocínio para explicar por que o Valium custa mais do que a maioria dos diazepans do mercado: – O interesse da Roche é na pesquisa. Quem copia, sem gastar nada, tem que cobrar menos.
Empresa cobra mais por ter descoberto matéria-prima
Diretor corporativo da Srnith kline Beecham, Luciano Azevedo diz que a empresa descobriu a cimetidina, matéria-prima do Tagamet e que, por isso, cobra, mais. Sérgio Terelman, gerente de produtos gastrointestinais da Astra, fabricante do Losec, que custa quase o dobro do genérico Omeprazol, endossa: – O Omeprazol foi desenvolvido pela Astra. Batizarmos nosso remédio de Losec e temos que cobrar o investimento para fazer novas pesquisas. Valdair Pinto, diretor médico da Pfizer, também diz que a empresa precisa cobrar mais para ter novas drogas. Gerente de Marketing da Hoechst, José Rodrigues se queixa: diz que vários fabricantes de Dipirona cobram mais do que sua empresa, que é fabricante da Novalgina. É verdade. Há alguns produtos genéricos com preço mais alto e vários que custam menos. Na hora de comprar, é preciso pesquisar.
Laboratório Noel Nutels analisou 20 remédios
Produtos tinham o teor de princípio ativo correto, mas apresentaram problema no rótulo
O laboratório Central Noel Nutels submeteu à análise de teor do princípio ativo medicamentos antitérmicos, ansiolíticos, antiinflamatórios e indicados para úlcera. Ao todo, foram testados 20 medicamentos, de seis categorias diferentes, fabricados por 13 laboratórios, tanto privados, que vendem para farmácias, quanto públicos, que vendem para hospitais federais, estaduais e municipais. No grupo dos antiinflamatórios, por exemplo, os técnicos compararam o Feldene, de 1O mg, da Pfizer, com o Piroxican, na mesma dosagem, do Teuto. O primeiro tinha 98,8% do teor de piroxican declarado. O segundo,99,5% do teor de piroxican declarado. Como os dois medicamentos podem ter uma Variação entre 92,5% e 107,5%doteordoprincípio ativo, foram considerados próprios. O laboratório Noel Nutels comparou também a Novalgina em gotas com a Dipirona em gotas, o Cataflam com o Diclofenaco de Potássico, o Tagamet com a Cimetidina, o Losec com o Omeprazol e o Loprazol, e o Valium com o Diazepan. Todos os medicamentos, escolhidos aleatoriamente pelo GLOBO, deram resultados de acordo com a legislação vigente. Além de medicamentos fabricados pela indústria privada, entraram nos testes remédios genéricos feitos por dois laboratórios públicos do Rio, o Instituto Estadual Vital Brasil e a Far-Manguinhos, da Fiocruz. Amostras da Fundação Ezequiel Dias, de Minas Gerais, também foram analisadas. – O curioso é que, na maioria dos casos, os remédios com nome genérico tinham um princípio ativo mais próximo do teor declarado do que os com nome comercial – observou Oscar Berro, do Noel Nutels. No ano passado, o laboratório Noel Nutels analisou 1.289 medicamentos. Destes, 367 foram considerados insatisfatórios, na maior parte das vezes por problemas de rotulagem. Menos de 15% tiveram problemas fisico-químicos, ou seja, no teor do princípio ativo. Os que apresentaram alterações não foram apenas medicamentos genéricos, mas também os com nome fantasia – diz Oscar Berro. Os problemas de rotulagem também aconteceram no teste feito a pedido do GLOBO. Embora tenham recebido nota dez no teor do princípio ativo, a maior parte dos medicamentos analisados foi reprovada na adequação da embalagem. O Feldene não tinha a data de fabricação no blister (tira metálica que guarda os comprimidos), o que está em desacordo com dois decretos do Ministério da Saúde, o 79094n7 e 793/93.O mesmo problema foi constatado no Piroxican (Teuto), no Tagamet (Smithkline Beecham), na Cimetidina (Teuto), no Valium (Roche), no Diazepan (União Química). Os remédios Novalgina em gotas, da Hoechst, o Cataflam, da Novartis, e o Diclofenaco de Potássio pecaram por não ter no frasco a data de fabricação, importante para que o consumidor não use medicamentos fora do prazo de validade. Losec e Loprazol, indicados para os pacientes com úlcera, também tiveram problemas no rótulo.